À frente da Comissão de Mediação e Arbitragem da 6ª Subseção da OAB-ES, a advogada Nacibe Huarde Ribeiro Cade lidera, desde o início deste ano, importante movimento da Ordem dos Advogados do Brasil para instalar um Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) em Guaçuí. O pedido, formalizado por meio do Ofício nº 11/2025, da 6ª Subseção da OAB-ES, mira a possibilidade de reduzir significativamente o número de litígios, ampliar as soluções consensuais e oferecer uma resposta célere a conflitos em matérias de natureza cível, familiar e empresarial. Segundo explicou Nacibe em entrevista concedida ao advogado e jornalista Wellington Cacemiro, “a mediação e a conciliação tratam de causas que envolvem direitos disponíveis, possibilitando que os próprios envolvidos participem ativamente da construção da solução.” Na conversa, ela destaca como a instalação de um CEJUSC pode contribuir para atenuar a histórica sobrecarga processual da comarca.
Quais foram os principais fatores que motivaram a Comissão e a 6ª Subseção a protocolarem o pedido de criação de um CEJUSC em Guaçuí?
O CEJUSC já é uma realidade em diversos municípios do Espírito Santo. Em Guaçuí, a ausência de juiz titular, até recentemente, comprometeu a tramitação de processos que chegavam a aguardar anos por uma sentença. Nesse contexto, o pedido de instalação de um CEJUSC busca atender à necessidade de solucionar grande parte dos processos que podem ser levados à mediação, sobretudo os que tratam de direitos disponíveis, como família, vizinhança, sucessão, entre outros. Isso contribui para desafogar a fila processual. Além disso, muitas demandas podem ser resolvidas ainda na fase pré-processual: antes mesmo do ajuizamento, as partes podem buscar o CEJUSC e, chegando a um acordo, evitar completamente a judicialização. O mais importante é que, na mediação, as próprias partes assumem o protagonismo na construção da solução.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) autorizou, recentemente, a instalação de CEJUSCs em Bom Jesus do Norte, Guarapari e Piúma através dos Atos Normativos n.ºs 186, 135 e 134 de 2025. Como a proximidade geográfica dessas implementações influencia o pleito de Guaçuí? Existe coordenação regional entre essas iniciativas?
Guaçuí é referência na região do Caparaó. Embora o CEJUSC mais próximo seja o de São José do Calçado, defendo que ainda precisamos de mais unidades no Espírito Santo. Temos 78 municípios e apenas 23% estão contemplados. Segundo dados do CNJ, o TJES está entre os tribunais menos eficientes do Brasil, o que reforça a urgência em ampliar o número de centros. Quando protocolamos o pedido, Guaçuí estava sem juiz titular; agora é o momento de reforçar essa demanda. O custo de funcionamento é reduzido, já que mediadores e conciliadores recebem por produtividade. Além disso, há coordenação do NUPEMEC, sob a supervisão da desembargadora Janete Vargas Simões, que organiza e acompanha todas as atividades dos CEJUSCs, garantindo integração regional.
A implementação de um centro exige estrutura física e equipe dedicada. A comarca de Guaçuí tem condições de viabilizá-los no curto prazo?
Para implementar o CEJUSC não é necessária grande estrutura. Basta uma sala adequada, com mesa redonda, ambiente climatizado, computador e acesso à internet, já que muitas sessões podem ocorrer de forma online. Quanto aos mediadores e conciliadores, é exigida capacitação pelo CNJ, que envolve cerca de 40 aulas teóricas e 60 horas de prática supervisionada. Após a certificação pelo Tribunal, os profissionais ficam aptos a atuar. Recentemente, o TJES tem promovido concursos para seleção de mediadores e conciliadores, com remuneração por produtividade, o que assegura viabilidade operacional também em Guaçuí.
A Resolução CNJ nº 125/2010 estabelece que CEJUSCs devem funcionar preferencialmente em fóruns com pelo menos dois juízos. Guaçuí possui duas varas, atendendo este requisito mínimo. Como a capacidade instalada atual da comarca se relaciona com a viabilidade operacional do centro proposto?
Guaçuí reúne todos os requisitos para receber o CEJUSC: possui fórum com estrutura adequada, duas varas judiciais e, ainda, o apoio institucional da 6ª Subseção da OAB/ES. O que falta é reforçar o pedido junto ao Tribunal de Justiça para consolidar essa conquista, que atenderá diretamente a população da comarca. Tenho confiança de que o “CEJUSC Pérola do Caparaó” será uma realidade em breve.
Eu não perguntei, mas a criação da Comissão de Mediação e Arbitragem no mesmo dia do envio do ofício foi uma coincidência ou parte de uma estratégia coordenada?
Foi parte de uma estratégia coordenada. Sabíamos que o TJES estava instalando novos CEJUSCs e havia a oportunidade de pleitear a criação em nossa cidade. Levei a proposta ao presidente Luiz Moulin, que imediatamente apoiou a iniciativa, reconhecendo que a mediação e a conciliação são portas eficazes para solucionar conflitos, evitando a morosidade judicial.
Muitos advogados ainda têm resistência ao uso de métodos consensuais. Que ações a senhora considera essenciais para ampliar a adesão da advocacia regional?
No início da implementação dos CEJUSCs havia dúvidas entre advogados, principalmente por desconhecimento das vantagens da mediação e conciliação. Hoje essa realidade mudou: a advocacia regional apoia o modelo, pois percebe benefícios concretos, como maior celeridade, preservação dos honorários pactuados e satisfação das partes. Acredito que a difusão de resultados positivos e a capacitação continuada são fundamentais para consolidar esse apoio.
A Resolução nº 125/2010 do CNJ estabelece diretrizes para os CEJUSCs. Quais desses parâmetros a senhora considera mais desafiadores de cumprir em Guaçuí?
A Resolução já tem 15 anos e ainda lutamos para implementá-la integralmente em nossa cidade. Isso demonstra o quanto é desafiador cumprir suas determinações. O Judiciário brasileiro, em geral, criou uma estrutura cara, morosa e distante da população. O CEJUSC, ao contrário, busca aproximar a sociedade da Justiça, ampliando o acesso. Os maiores desafios em Guaçuí estão na formação e capacitação de mediadores e na estrutura mínima de funcionamento. Contudo, acredito que já atendemos aos parâmetros básicos, o que reforça nosso pleito pela instalação do centro.
Em 2017, a advocacia local protestou pela falta de juízes na Comarca de Guaçuí, evidenciando problemas estruturais crônicos. Como a implementação de um CEJUSC pode contribuir para resolver essas deficiências sistêmicas, e não apenas transferir o problema para outra instância?
A mediação e a conciliação tratam de causas que envolvem direitos disponíveis, possibilitando que os próprios envolvidos participem ativamente da construção da solução. Dessa forma, o CEJUSC não transfere o problema da falta de juízes para outra instância, mas atua preventivamente, desafogando a Justiça e evitando a judicialização desnecessária. Em Guaçuí, onde há histórico de déficit estrutural de magistrados, a implementação do CEJUSC contribui para reduzir a sobrecarga da Vara, permitindo que os juízes concentrem sua atuação nos processos que realmente exigem atividade jurisdicional típica. Além disso, o CEJUSC fortalece a cidadania e o acesso à Justiça ao criar um espaço institucional de diálogo, mais rápido, menos oneroso e com alto índice de satisfação das partes, promovendo soluções duradouras. Assim, em vez de apenas deslocar a demanda, o centro atua na mudança de paradigma: fomenta a cultura da pacificação social, desafoga o sistema judiciário e ataca as raízes do acúmulo processual.
O CEJUSC de Bom Jesus do Norte, autorizado em junho, pode ter competência ampliada para toda a microrregião judiciária. Como isso afeta o pleito específico de Guaçuí? Existe risco de sobreposição de competências ou disputas territoriais entre centros?
A Resolução nº 125/2010 do CNJ estabelece que os CEJUSCs devem atuar de forma coordenada e cooperativa dentro da política judiciária nacional, o que evita sobreposição de competências. O que se pode ter é uma divisão racional: o CEJUSC de Bom Jesus pode absorver demandas de comarcas ainda não estruturadas, funcionando como polo regional, enquanto o de Guaçuí atenderia diretamente sua população, garantindo capilaridade e acesso efetivo. Portanto, não se trata de disputa territorial, mas de complementaridade. A existência de dois centros próximos fortalece a política pública de autocomposição, amplia a rede de atendimento e reduz a sobrecarga do Judiciário, sem risco de conflito de atribuições, pois a competência de cada unidade pode ser delimitada administrativamente pelo Tribunal de Justiça.
Na sua visão, qual seria o impacto mais imediato e visível para a população local caso o CEJUSC seja instalado?
O impacto mais imediato e visível para a população de Guaçuí seria a possibilidade de resolver conflitos de forma rápida, simples e acessível, sem precisar enfrentar a morosidade do processo judicial. Com a instalação do CEJUSC, o cidadão teria um espaço institucionalizado de mediação e conciliação, com atendimentos gratuitos, ambiente acolhedor e resultados imediatos em questões como família, vizinhança, consumo e contratos. Isso gera sensação concreta de acesso à Justiça, pacificação social e redução de custos, sendo percebido de forma direta pela comunidade já nos primeiros meses de funcionamento.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo realizou recentemente “pautas concentradas de conciliação/mediação” em Guaçuí, entre 23 e 27 de junho. Como os resultados dessas ações piloto fortalecem o argumento técnico para a permanência de um CEJUSC na comarca?
Eu participei e vi os excelentes resultados – número elevado de acordos, satisfação das partes envolvidas e rapidez na solução dos conflitos. Isso tudo demonstra que há demanda social e potencial de pacificação extrajudicial na comarca. Essa experiência comprova, na prática, que a população busca soluções consensuais quando elas são ofertadas de forma estruturada. Assim, as ações piloto fortalecem tecnicamente o pleito pela instalação permanente de um CEJUSC, pois evidenciam que não se trata apenas de uma ideia teórica, mas de um modelo já testado localmente, com impacto direto na redução do acervo processual e no aumento da confiança da sociedade na Justiça.