Comarcas de Apiacá e Bom Jesus terão secretaria virtual

Nova estrutura do TJES unifica secretarias e transfere parte das funções para outras comarcas, com impactos diretos para a advocacia

A evolução digital do Judiciário capixaba acaba de avançar mais um passo. Na última quinta-feira (05), o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) publicou o Ato Normativo nº 179/2025, que oficializa a implantação das Comarcas Digitais e da Secretaria Inteligente Regional nos Juízos de Bom Jesus do Norte e Apiacá. Embora o texto do tribunal promova a iniciativa como um avanço em eficiência e racionalidade, a medida desperta dúvidas e preocupações por parte da advocacia regional. 

De acordo com o documento, assinado pelo presidente do TJES, desembargador Samuel Meira Brasil Jr., a iniciativa visa dar cumprimento aos princípios constitucionais de amplo acesso à Justiça e duração razoável do processo, bem como a resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientam a equalização da força de trabalho no Judiciário brasileiro. 

A medida institui um modelo escalonado de implantação, dividido em cinco níveis: secretaria unificada, atendimento humanizado, otimização do fluxo de trabalho, automação com uso de inteligência artificial e, por fim, integração regional das secretarias. Em tese, trata-se de uma transformação ampla na forma de prestação jurisdicional, com o consequente abandono progressivo das estruturas físicas tradicionais em favor de uma nova lógica digital. 

Segundo o Ato, todos os processos, atuais e futuros, das comarcas de Bom Jesus do Norte e Apiacá, tramitarão na Secretaria Inteligente Regional. A unidade, de natureza virtual, será responsável pelos atos cartorários, cumprimento de decisões e gestão processual. Contudo, o atendimento direto ao público, inclusive a advogados, será limitado, restrito a uma estrutura mínima de um servidor e um estagiário por comarca, ou ampliada mediante convênio com os municípios ou órgãos parceiros. 

Além disso, a normativa impõe que a Secretaria Inteligente Regional não será responsável por diversas funções críticas, como a realização de audiências, o contato direto com advogados e partes por telefone, e-mail ou WhatsApp, ou mesmo a abertura de sistemas como o Malote Digital e o Processo Judicial eletrônico (PJe), quando isso disser respeito a gabinetes de magistrados. Essas atribuições permanecem sob a alçada das centrais de atendimento e dos gabinetes judiciais. 

Na prática, a mudança desloca grande parte da força de trabalho para fora das comarcas afetadas. Os servidores lotados atualmente em Bom Jesus do Norte e Apiacá serão remanejados para a sede da secretaria regional, e novos processos seguirão tramitando com numeração própria, mas sob administração centralizada. Isso levanta preocupações, por exemplo, sobre o esvaziamento da estrutura local e o possível distanciamento entre o Judiciário capixaba, a advocacia e os jurisdicionados. 

“Como garantir a manutenção de um atendimento humanizado se o atendimento será remoto e com equipe reduzida?”, questionaram advogados locais que acompanham o tema. Para alguns, o novo modelo pode representar mais obstáculos do que soluções, especialmente em regiões onde a inclusão digital ainda é limitada e a população depende do atendimento presencial. 

O Ato Normativo nº 179/2025 também prevê a criação de uma Central de Atendimento Inteligente, que ainda será estruturada, e atribui à Secretaria de Tecnologia da Informação do TJES a criação dos ambientes virtuais nos sistemas eletrônicos em até 45 dias. A produtividade dos servidores será monitorada com ferramentas de business intelligence (BI) e metas de desempenho.  

Para a 6ª Subseção da OAB-ES, embora a digitalização seja uma tendência inevitável, a forma como ela é conduzida pode gerar impactos significativos no cotidiano da advocacia. Ainda que o modelo proposto siga o que vem sendo discutido em outras unidades da Federação, há um consenso emergente entre profissionais do Direito de que a transição precisa ser melhor comunicada, testada e, sobretudo, construída com a escuta ativa das partes envolvidas, especialmente dos advogados, que atuam na linha de frente da prestação jurisdicional. 

O Ato prevê revisão periódica das medidas implementadas, por iniciativa da Presidência do TJES ou mediante provocação de interessados. Essa cláusula pode ser uma brecha para o debate público e institucional sobre os reais efeitos da mudança, especialmente em regiões como o sul do Estado, onde o contato pessoal com o Judiciário ainda é elemento essencial da prática forense.