TJES digitaliza comarcas e muda rotina de advogados

Nova estrutura judiciária gera dúvidas sobre atendimento, deslocamento e acesso à Justiça na região

O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) aprovou duas importantes mudanças estruturais que prometem transformar a rotina de advogadas e advogados que atuam na região. Os atos normativos nº 179/2025 e nº 223/2025, publicados respectivamente em junho e julho deste ano, estabelecem a criação de “Comarcas Digitais” e “Secretarias Inteligentes Regionais” em cinco dos seis municípios que compõem a área de abrangência da 6ª Subseção da OAB-ES. 

As mudanças afetam diretamente os municípios de Guaçuí, Dores do Rio Preto, São José do Calçado, Apiacá e Bom Jesus do Norte, onde a advocacia regional precisará se adaptar a um novo modelo de funcionamento da Justiça. O primeiro ato, por exemplo, de número 179/2025, transforma as comarcas de Bom Jesus do Norte e Apiacá em “Comarcas Digitais”, com processos tramitando de forma unificada por meio de uma Secretaria Inteligente Regional.  

Já o ato normativo 223/2025 estabelece mudanças mais amplas, convertendo Dores do Rio Preto e São José do Calçado em Comarcas Digitais e criando secretarias inteligentes que operarão a partir de Guaçuí. Os processos das duas primeiras passarão a tramitar remotamente nas Secretarias Inteligentes Regionais criadas em Guaçuí, sob coordenação dos juízes locais. 

O documento determina que “o Juiz ou Juíza de Direito, titular ou designado, em exercício na 1ª Vara da Comarca de Guaçuí responderá automaticamente pela Vara Única da Comarca de Dores do Rio Preto”, enquanto o magistrado da 2ª Vara de Guaçuí assumirá São José do Calçado. Essa concentração de competências levanta questões sobre a proximidade entre magistrados e jurisdicionados. 

Para os advogados, a mudança significa que, embora os processos mantenham sua numeração original e distribuição nas comarcas de origem, a tramitação efetiva ocorrerá em Guaçuí. O ato normativo do TJES prevê que “os atos processuais e outras diligências serão realizados livremente nos territórios das comarcas envolvidas”, mas não detalha como isso funcionará na prática. 

Uma das principais preocupações para a advocacia diz respeito ao atendimento presencial. Os atos normativos estabelecem que deve ser mantida “estrutura de atendimento compatível” nas comarcas digitais, “de no mínimo um servidor e um estagiário de graduação”. Essa estrutura mínima representa uma redução significativa em relação ao modelo atual. 

O ato 223/2025 prevê ainda que essa estrutura reduzida poderá ser substituída ou ampliada mediante convênio com os municípios de Dores do Rio Preto e São José do Calçado, instituições do Sistema de Justiça e afins . A dependência de convênios com prefeituras para manter atendimento adequado gera incertezas sobre a continuidade do serviço. 

Para compensar a redução do atendimento presencial, o TJES promete criar “Centrais de Atendimento Inteligente” que atuarão em apoio às Secretarias Inteligentes Regionais. No entanto, os documentos não especificam quando essas centrais estarão funcionando nem como será feito o atendimento remoto. 

As Secretarias Inteligentes Regionais terão atribuições específicas voltadas para “atos padronizados”, “rotinas e fluxos predefinidos” e “compartimentação de atividades”. Essa nova estrutura exclui expressamente o atendimento direto às partes, advogados, membros do Ministério Público e Defensores Públicos, que ficará a cargo das centrais de atendimento e gabinetes. 

Os atos também determinam que as secretarias inteligentes não realizarão designação de audiências, abertura de malotes digitais dos gabinetes nem inscrições em sistemas de restrição como SISBAJUD e RENAJUD. Essas limitações podem gerar dúvidas sobre a agilidade na resolução de questões práticas do dia a dia forense. 

A implementação será feita em cinco níveis progressivos: secretaria unificada, atendimento humanizado, otimização de fluxo, automação com inteligência artificial e integração virtual regional. O cronograma para cada etapa não foi detalhado nos documentos. 

Para os advogados e advogadas que atuam na região, as mudanças podem representar tanto oportunidades quanto desafios. Por um lado, a promessa de maior agilidade na tramitação processual por meio de fluxos padronizados e eventual automação pode beneficiar a advocacia. Por outro, a redução do atendimento presencial e a centralização em Guaçuí podem dificultar o acesso à Justiça. 

A questão do deslocamento é especialmente relevante. Advogados de Dores do Rio Preto e São José do Calçado que precisem de atendimento presencial ou acompanhar audiências terão de se dirigir a Guaçuí, aumentando custos e tempo de trabalho. O mesmo vale para Apiacá e Bom Jesus do Norte em relação à estrutura unificada prevista no ato 179/2025

Outro ponto de atenção é a manutenção de audiências presenciais. Os atos preveem que os juízes “poderão, sempre que necessário, instituir calendário periódico de audiências presenciais, sessões do Júri ou outras atuações locais”. A palavra “poderão” sugere discricionariedade, o que pode gerar insegurança sobre quando haverá atendimento local. 

Importante observar também que diversos aspectos das mudanças carecem de maior detalhamento. Não está claro, por exemplo, como funcionará o atendimento emergencial nos municípios que se tornaram comarcas digitais, nem qual será o horário de funcionamento das estruturas mínimas mantidas localmente. 

A questão tecnológica merece igualmente atenção. Os atos determinam que a Secretaria de Tecnologia da Informação deve criar “ambientes virtuais no Processo Judicial Eletrônico e demais sistemas”, mas não abordam possíveis problemas de conectividade ou acesso à internet nos municípios afetados. 

O prazo de 45 dias para entrada em vigor, tanto do ato 179/2025 quanto do 223/2025, pode ser considerado exíguo para adaptação de advogados, servidores e jurisdicionados ao novo modelo. Não há previsão de período de transição ou treinamento específico para os profissionais da advocacia. 

A ausência de consulta prévia à Ordem sobre as mudanças também chama atenção, considerando o impacto direto na advocacia regional. Os atos fazem referência apenas à comunicação de eventual suspensão de prazos pela “respectiva subseção da OAB” em caso de risco de prejuízo. 

As medidas entram em vigor em agosto de 2025, e sua eficácia dependerá da capacidade de adaptação de todos os envolvidos. Para a advocacia da 6ª Subseção da OAB-ES, o desafio será conciliar as novas exigências tecnológicas com a manutenção da qualidade no atendimento aos clientes e na defesa de seus interesses.