À frente da presidência da 6ª Subseção da OAB-ES, o advogado Luiz Bernard Sardenberg Moulin conduz um diálogo intenso com o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) para amenizar os efeitos da unificação de comarcas na região compreendida pelos municípios de Guaçuí, Dores do Rio Preto, Apiacá, Bom Jesus do Norte, Divino de São Lourenço e São José do Calçado. A medida, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e regulamentada pelos Atos Normativos nº 179/2025 e nº 223/2025, é considerada inevitável, mas não imune a ajustes. Em entrevista concedida ao advogado e jornalista Wellington Cacemiro, o presidente Luiz Moulin detalha a proposta alternativa elaborada pela subseção, que prioriza equilíbrio na distribuição de processos, preservação da presença física do Judiciário e respeito a aspectos geográficos e culturais. “Estamos buscando amenizar o impacto destes atos ao máximo para a população e para a advocacia da nossa subseção”, afirmou, defendendo que a reestruturação não comprometa o acesso à Justiça nem sobrecarregue regiões já saturadas.
O que motivou a 6ª Subseção da OAB-ES a apresentar uma proposta própria para a formatação da unificação das comarcas na região?
Nós já havíamos conversado com o desembargador Samuel Meira Brasil Jr., presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), presencialmente, no mês passado, juntamente com nossa presidente da Seccional, Erica Neves, antes mesmos da publicação dos Atos Normativos 179/2025 e 223/2025, tendo ele nos informado que o processo de unificação das comarcas é irreversível, pois trata-se de uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por sua vez, a princípio, teria sido ainda mais rígido em suas exigências, determinando a extinção de comarcas cuja distribuição anual de processos fosse menor do que 1.500 demandas, ao passo que as resoluções do Tribunal somente unificam os cartórios e funcionários das comarcas sem determinar o fechamento completo das unidades judiciárias. Então, nossa diretoria, preocupada com o impacto destas unificações vem constantemente buscando o diálogo com o Poder Judiciário.
Como essa proposta se diferencia, na prática, do modelo previsto nos Atos Normativos nº 179/2025 e nº 223/2025 do TJES?
Estamos buscando amenizar o impacto destes atos ao máximo para a população e para a advocacia da nossa subseção, levando em consideração importantes aspectos como a territorialidade (distância entre os municípios), acervo de processos e até mesmo aspectos culturais para melhor acomodar essas inevitáveis mudanças. Assim ao invés de unificar São José do Calçado, que é um município mais ligado não só territorialmente mas também culturalmente aos municípios de Apiacá e Bom Jesus do Norte (os três municípios inclusive são conhecidos como o ABC capixaba), com Guaçuí e Dores do Rio Preto (proposta na resolução 223/2025), que significaria um impacto enorme no acervo já elevado da 1ª e 2ª Vara de Guaçuí e faria com que a advocacia e população calçadense enfrentasse uma distância considerável para ter acesso ao fórum de Guaçuí, fizemos a proposta de reunir as Comarcas do ABC com a sede da unidade judiciária principal em São José do Calçado que é o município que possui a melhor estrutura física e fica mais equidistante com Bom Jesus e Apiacá, ficando Guaçuí apenas com o acervo de Dores do Rio Preto. Essa proposta também tornaria mais justo e equilibrado o número de processos para essas 2 regiões (cerca de 10 mil processos para o ABC e 10 a 12 mil para Guaçuí e Dores do Rio Preto).
A integração das comarcas de Dores do Rio Preto e Guaçuí, com centralização de cartórios, foi um dos pontos defendidos. Quais seriam as vantagens e os riscos dessa mudança para a advocacia e para o cidadão?
Na verdade, queremos enfatizar que não gostaríamos que essa unificação acontecesse, mas como dito, é inevitável e, diante deste cenário, uma vez sendo Guaçuí o município mais próximo a Dores do Rio Preto, com o maior número de habitantes desta região, além de ser a única Comarca que possui juíza titular na nossa subseção, fica mais justo que seja o seu cartório unificado com o da Comarca de Guaçuí, que será o Cartório Central da região. Vale ressaltar entretanto que conforme consta no Ato Normativo e também foi assegurado pelo Presidente do TJ, a sede do fórum de Dores do Rio Preto será mantida aberta, com funcionários trabalhando normalmente em cartório nos processos do cartório unificado, e, inclusive, a magistrada da Comarca de Guaçuí irá fazer audiências de maior relevância e complexidade (processos de tribunal do júri e que envolvam menores, por exemplo) presencialmente no fórum de Dores. Além disso, a população poderá fazer audiências cotidianas de forma online dentro da sede do fórum de Dores do Rio Preto através do PID (Ponto de Inclusão Digital) que oferece estrutura de internet, computador equipado com câmera e som e funcionária exclusiva para auxílio, portanto, não precisarão se deslocar para Guaçuí para terem acesso ao judiciário.
A digitalização dos processos e a criação de Secretarias Inteligentes Regionais prometem mais eficiência. Na sua visão, quais são os desafios mais imediatos para que isso funcione bem na região?
Nossa região sofre há mais de 15 anos com a falta de juízes titulares em todas as suas Comarcas, tendo, em razão disso, o acervo de processos nas Comarcas de Guaçuí, Dores do Rio Preto, Bom Jesus do Norte, Apiacá e São José do Calçado aumentado significativamente. Guaçuí só foi contemplado com magistrada titular recentemente, em uma das duas varas que a comarca possui, no último trimestre de 2024. Assim creio que o maior desafio será o de baixar de forma efetiva o número de demandas judiciais nessas localidades. As secretarias inteligentes, ao reunirem funcionários dos fóruns unificados para trabalharem, de forma cooperada e ordenada em toda a universalidade de processos das comarcas, promete dar maior efetividade no andamento das demandas processuais, principalmente nos despachos e decisões proferidas pelos juízes em gabinete.
O senhor mencionou que a proposta da Subseção busca respeitar as especificidades locais. Que aspectos da realidade dos municípios pesaram mais na elaboração dessa sugestão?
Entendemos que essa proposta preserva os melhores interesses da Justiça de Primeiro Grau, os aspectos geográficos, logísticos, culturais além de racionalizar os serviços forenses sem suprimir a presença do Judiciário nos municípios e, sobretudo, garantindo melhor prestação jurisdicional e melhores condições de trabalho para a advocacia e demais operadores do Direito.
De que forma a manutenção da presença física do Judiciário nas comarcas impacta a qualidade do atendimento jurisdicional e a relação com a população?
Conforme dito anteriormente, a figura presencial do juiz e dos funcionários na comarca, principalmente nas cidades do interior, possui uma simbologia importante para a população. O jurisdicionado se sente mais prestigiado, mais protegido, é importante para ele a identidade física de quem esta julgando e analisando seu processo. As ferramentas tecnológicas implementadas no judiciário hoje em dia, embora tenham deixado o acesso das partes mais facilitado com a distância de apenas um toque na tela do celular, possibilitando a realização de audiências online, atendimento nos cartórios através de balcão virtual, ao mesmo tempo, ao meu sentir, torna as relações um pouco mais frias e menos humanas. Mas esse tipo de avanço é uma nova e inevitável realidade da justiça não só do Brasil, mas do mundo.
Como a 6ª Subseção pretende acompanhar a implementação do novo modelo, caso ele seja aprovado, para garantir que os direitos da advocacia sejam preservados?
Estamos atentos a todos os passos do Tribunal e, justiça seja feita, hoje temos um presidente do Tribunal muito alinhado com a nossa presidente da Seccional da Ordem, sendo muito acessível para reuniões e sensível em atender nossos pleitos, claro, dentro de suas limitações.
Existe o risco de que, com a unificação e a digitalização, advogados e cidadãos de cidades menores enfrentem mais dificuldades de acesso à Justiça?
Não. Nós advogados temos hoje em dia acesso amplo e irrestrito aos nossos processos judiciais no sistema PJe (hoje o Estado do Espírito Santo possui 100% de seus processos virtualizados), temos o balcão virtual onde partes e advogados podem conversar com os cartórios através de vídeo chamada quando precisam de informações sobre processos, sistema este que ainda está sendo aperfeiçoado, mas que em breve creio que funcionará muito bem. Além disso, as sedes dos fóruns unificados não serão fechadas, podendo a população ter acesso aos funcionários e aos PIDs para fazerem suas audiências de forma online.
A OAB-ES tem mantido diálogo constante com o TJES sobre essas mudanças. Que tipo de retorno ou contraproposta o Tribunal já sinalizou diante das sugestões da Subseção?
Conforme dito. Hoje temos um presidente do Tribunal muito acessível e muito alinhado com nossa presidente da Seccional, tendo nos atendido de forma rápida e efetiva em seu gabinete. A nossa proposta foi apresentada ao juiz emissário da presidência do TJES, Dr. Rodrigo Cardoso de Freitas, que vem conduzindo com maestria a implementação do cartório integrado inteligente no fórum da capital, e, portanto, possui boa experiência com esta nova realidade, e nossa expectativa é de sermos atendidos, pois é uma proposta justa e, ao nosso sentir, viável de ser contemplada.
Se a proposta da 6ª Subseção for acolhida pelo TJES, qual será, na sua avaliação, o impacto para a distribuição de demandas e a celeridade processual nos próximos anos?
Conforme ressaltei a todo tempo nesta entrevista, não concordamos com essa unificação de comarcas. Nosso sonho sempre foi termos juízes titulares nas cinco comarcas da subseção, mas diante da realidade que nos foi apresentada pelo Tribunal, creio que, da forma como colocamos nossa proposta, será muito menos impactante o processo de unificação e será muito melhor recebido pelos advogados e a população. Além disso, temos aguardado e confiado que o desembargador Samuel Meira Brasil Jr., que é, reconhecidamente, uma das figuras judicantes mais inteligentes deste país e um entusiasta de tecnologia aplicada ao direito, consiga alinhar a todo esse processo de unificação de cartórios, a implementação de seus projetos de automatização dos atos de cartório como expedição de alvarás, certidões e remessas de processos para conclusão. Isto dará uma significativa agilidade no trâmite das milhares de demandas judiciais que tramitam em nossas comarcas.